“A esperança demorada enfraquece o coração, mas o desejo chegado é árvore de vida.” Provérbios 13:12

Um ano após ter sido contaminada pela Covid-19, recebi a primeira dose da vacina que, espero, venha fortalecer minha imunidade e tirar o perigo de uma reinfecção. Cheguei ao posto de vacinação quase meia hora antes do horário marcado. Peguei minha senha, de número 82, e fui me sentar na praça em frente ao posto.  Fiquei ouvindo todo tipo de conversa das pessoas que esperavam comigo. Todos tinham uma história para contar. Estávamos perto do hospital e alguns apontavam para o prédio e diziam, em tom solene, que tinham um conhecido intubado ou esperando uma vaga na UTI. Outros contavam dos familiares e amigos que o vírus levou.

Apesar das conversas tristes e amargas, tinha uma alegria no ar. Um misto de expectativa, esperança e realização de um sonho. Meus companheiros, todos na famosa “melhor idade”, ainda com sonhos para realizar e com muita vida pela frente, sentiam o começo de uma nova esperança, de uma luz no fim do túnel, de uma liberdade de ir e vir, que a pandemia nos tirou. Então, o clima era quase de festa. Só faltava a banda tocando no coreto. Alguns jovens acompanhantes brincavam, oferecendo muitos reais por uma senha.

Conforme a hora ia chegando, o povo ia se aglomerando no portão, por sinal, muito bem guardado por alguns enfermeiros que tiravam as dúvidas e orientavam a todos a se espalharem pela calçada e pela praça. Mas, como segurar a ansiedade dos sobreviventes que estavam às portas de ter a proteção, antes mesmo da doença?

Foi nesse momento que não pude deixar de sorrir, lembrando do Homero. Em nossas viagens aéreas, era sempre a mesma bronca na sala de espera. Ele ficava muito bravo quando anunciavam nosso voo e os passageiros, na mesma hora, se levantavam e se amontoavam em frente ao portão de embarque, que continuava fechado e demoraria para abrir. E, depois, ainda teria a chamada das prioridades, dos números de assentos e por aí vai. Mas sempre havia alguns que tentavam furar a fila. O Homero só falava: “O avião não vai nos deixar aqui. Vamos esperar”. Eu, sempre apressadinha, ficava irritada porque, quando entrávamos na aeronave, quase nem havia mais espaço para nossas malas de mão. Mas ele nem se importava. Ia com toda a calma. Realmente, estávamos seguros de que o avião não nos deixaria e ninguém tomaria nossos lugares.

E agora, ali estava eu, sentada no banco da praça, observando o tumulto em frente ao portão do posto. Não faltariam vacinas. As senhas distribuídas eram, exatamente, o número das doses. A enfermeira saía na calçada e gritava para as pessoas se dispersarem. Mas era por pouco tempo, logo estavam todos voltando e se aglomerando novamente. Finalmente, começaram a nos chamar pelo número da senha e, lentamente (lentamente mesmo), a fila começou a andar. Eu perguntei à enfermeira qual era a vacina do dia e fiquei um pouco apreensiva porque era aquela que tem apresentado algumas reações, e os casos que me contam são de arrepiar os cabelos. Nessa hora, quase voltei para casa, mas resolvi enfrentar, porque ouvi uma conversa de um casal que estava por perto. A esposa falou: “é aquela vacina que dá reação!” O esposo ficou preocupado, mas ela disse com um sorrisão: “foi a que Deus preparou para nós. Vai dar tudo certo.” E deu mesmo. Deu reação, mas deu tudo certo. Nada parecido com a doença que eu conheço tão bem.

Saí para a rua enfrentando o frio e um vento cortante, mas com o coração agradecido e aquecido pela bênção da esperança. Apesar de saber que os cuidados comigo e com o outro continuarão, já posso sentir que, se Deus permitir, em breve, a vida voltará à rotina. A minha, como a de milhares de pessoas que o vírus mudou o destino, jamais será a mesma. Mas, com a direção do Senhor, a rotina irá se refazer, aos poucos. A mesma Mão que mudou nossas vidas continuará nos sustentando e nos protegendo, por isso, sigamos confiantes.

Que toda angústia, medo e solidão que essa pandemia nos tem feito viver, nos leve a refletir que não somos nada sem nosso Deus. Só Ele pode transformar nossas lutas em benefícios para nós mesmos, porque, muitos de nós, florescemos no sofrimento quando sentimos ainda mais o amor de Deus nos sustentando. Que nossa esperança não esteja simplesmente nas vacinas, mas no Deus que deu sabedoria àqueles que trabalharam incansavelmente para nos dar esse dia, em que a alegria e a esperança flutuaram e dançaram na praça, em meio aos sexagenários, que sorriam, sonhando com dias melhores.

Nossos dias continuam nas mãos de Deus! Com ou sem vírus, vacinas ou remédios. Eles continuam contados e determinados, mas isso não nos impede de sonhar e esperar que muitos e longos dias melhores virão.

Zelene Reis