Vigiando o tempo

“Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele.” Salmos 118:24

Minha mãe coloca a roupa no varal e fica vigiando o tempo até que ela seque. Muitas vezes, o sol dá aquela iluminada e aquecida logo de manhãzinha para depois se esconder atrás de uma nuvem escura e pesada. E o que resta é apenas um ventinho para deixar a roupa mais leve e a esperança dele voltar a brilhar. Há algumas semanas, o dia amanheceu lindo, claro e iluminado, mas quando saí para dar uma espiada lá fora, lá estava minha mãe, olhando para cima, vendo o tempo escurecer. E não deu outra. Logo estávamos num corre-corre tirando as roupas ainda úmidas do varal e colocando na lavanderia coberta. Lá se foi o sol. O tempo mudou, escureceu e choveu.

Mais cedo, no mesmo dia, estávamos comentando sobre o fim do ano e a falta que sentimos da família reunida, do nosso encontro anual, da nossa famosa ceia e do nosso culto familiar.  Foi grande a saudade que bateu de quem já se foi. Falei, então, que se Deus permitir, com a chegada das vacinas, no próximo ano estaremos todos juntos, ao que minha mãe rebateu, fatalista: “isso se o mundo não acabar antes”. Mas, pensei comigo mesma: “o mundo já acabou para centenas de milhares de pessoas, em menos de um ano, deixando um luto coletivo, sem precedentes.”

Um dia, estávamos nos aquecendo ao sol e, no outro, tentando nos abrigar da chuva. Um dia estávamos rindo, alegres, sentados à mesa para uma refeição em família e, no outro, havia um lugar vazio. Dias sombrios e angustiantes. E, agora, pensando na vigilância do tempo, só me resta aceitar que não sabemos nada do amanhã e, por isso, as tragédias do passado e o medo do futuro acabam roubando a alegria do presente e acabamos deixando de contar as bênçãos e sermos gratos.

Hoje minha mãe está completando 90 anos! Passou por muitos dias ensolarados, chuvas torrenciais e várias tempestades. Criou sete filhos, todos no temor do Senhor e, agora, vê com gratidão os netos e bisnetos trilhando o mesmo caminho dos pais.  Jamais vi minha mãe maldizer alguma coisa, pelo contrário, ela é a pessoa mais grata que eu conheço. Talvez por tantos anos vividos, ela não se abala por pouca coisa. Continua assobiando os hinos enquanto varre o quintal e cuida do jardim. Não gosta de ficar sem serviço e dá bronca quando não a deixamos pegar no pesado.

Quando Deus chamou meu amado para o céu, minha mãe escancarou as portas da sua casa para me abrigar. Depois de morar tantos anos sozinha, ela se desfez de espaços da sua vida, para abrigar pedaços do que restou da minha e, agora, vamos vivendo o dia a dia, nos consolando e aprendendo a conviver com as diferenças da idade, dos temperos, dos sabores, das manias e das teimosias de ambas as partes.

Hoje eu quero agradecer a Deus a bênção de estar aqui com ela, ouvindo seus passos, sentindo o aroma do seu café, presenciando o cuidado com os pedintes que nunca saem daqui com as mãos vazias e, principalmente, aprendendo com ela a vigiar, não só o tempo, mas também, a cuidar da alma e do coração que, diariamente, ela alimenta por horas a fio lendo a Palavra do Senhor.

Parabéns mamãe pelo seu aniversário e obrigada por tanto amor e consolo nos dias em que o sol se escondeu na minha vida e roubou minha alegria. Que ainda possamos, juntas, ter muitos dias iluminados e felizes nesta nova fase de convivência, com muita gratidão ao nosso Deus!

Com amor,
Zelene Reis

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